A vida financeira da família com TEA

  • Grupo Conduzir admin
  • 19 de fevereiro de 2019
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Quando fiquei grávida, eu e o pai de meu filho nos programamos financeiramente para eu me dedicar somente a nosso bebê em seus 2 primeiros aninhos de vida, deixei alguns projetos profissionais de lado por um período, que eu imaginava ser determinado. Aos 2 anos, ele começou a perder habilidades importantes e junto começou minha busca incessante por respostas. Depois de sete meses, conseguimos fechar o diagnóstico e eu optei por me dedicar completamente a meu filho. Claro que isso teve um impacto enorme em minha vida. Além do imenso impacto emocional e social, uma área que ficou extremamente afetada foi a financeira. Começou nossa maratona de exames diversos, consultas em várias especialidades médicas, intervenções terapêuticas, palestras, adaptações, reuniões escolares, reuniões com psicólogas, etc. E a cada dia fui percebendo o quão minha presença e minha dedicação faziam diferença gigantesca nos resultados positivos de meu filho. Acreditava e ainda acredito que meu filho é meu bem mais precioso, nada que eu possa ter de bens materiais supera a importância de seu desenvolvimento e da chance dele ser independente. Por isso decidi não ter mais um trabalho convencional com horários fixos e tentei trabalhos alternativos com flexibilidade de horários, o que nem sempre dá o retorno financeiro necessário para suprir as necessidades.
Fui pesquisar a respeito de auxílio do governo e benefícios concedidos às pessoas portadoras de autismo, que se enquadram, para fins legais, na mesma lei que os deficientes físicos (Lei 12.764/12) e me deparei com a LOAS (Lei Orgânica da Assistência Continuada – 8742/93). Para ter direito a 1 (um) salário mínimo por mês de auxílio, além de comprovar a incapacidade do paciente por laudos e perícias realizadas pelo INSS ou juízo, teríamos que atestar estado de miserabilidade, ou seja, toda renda familiar deve ser até 1/4 do salário mínimo para o paciente estar apto a receber o benefício. Quando li isso, confesso que não sabia se ficava triste por não conseguir o benefício ou se me sentia privilegiada por não me enquadrar ao estado de miserabilidade. Chega a ser absurdo! Tive vontade de chorar. Não me preparei para uma maternidade atípica, mas me preparei menos ainda para esse tipo de situação.
O ideal seria que nós, mães e pais, tivéssemos um acompanhamento psicológico, tanto no processo da busca pelo diagnóstico quanto depois, para suportar os “terremotos” que inevitavelmente acontecem. O ideal seria que nossos filhos tivessem um diagnóstico fechado por uma equipe multidisciplinar, com especialistas no assunto e que dessem prosseguimento no tratamento, criando laços com o paciente e tornando o processo mais consistente. O ideal seria haver escolas verdadeiramente inclusivas e dispostas a adaptarem o que fosse necessário em prol do desenvolvimento infantil, seja ele qual for. Assim como planos de saúde que não nos negassem o tratamento adequado e especializado. O ideal seria conseguir empregos com jornadas de trabalho flexíveis e possibilidades de Home Office.
Mas a realidade é bastante diferente do ideal. Para ter acompanhamento psicológico, nós, pais, necessitamos de consultas particulares, já que não estão inclusas no plano de saúde, e pelo SUS também não é uma tarefa fácil de conseguir. Para ter um diagnóstico correto e imparcial para nossos filhos, precisamos também pagar consultas particulares. Acreditem, alguns planos de saúde instruem seus “profissionais” a não fechar diagnóstico, adiando o tratamento e melhorando o lucro da empresa. Tristemente, alguns médicos têm contrariado seu juramento e se negam a fechar diagnósticos óbvios. As consultas com os especialistas confiáveis possuem um custo alto, exatamente por se tratarem de profissionais muito especializados. Além de ser extremamente necessário para nos dar as respostas confiáveis que procuramos, é também fundamental para laudar e atestar a necessidade do tratamento.
Com essa necessidade estampada, travamos uma luta jurídica para conseguir que tratem nossos filhos como seres humanos e não como números que incomodam aos planos de saúde. Mesmo quando cumprimos com nossa parte, pagando a mensalidade acordada, querem resolver o problema de sua matemática interferindo no tratamento de nossos filhos, estabelecendo número de horas/terapia muito aquém do necessário e fazendo parcerias com clínicas que não possuem formação acadêmica necessária para realizar um tratamento tão sério e fundamental para um bom prognóstico. Para isso, é necessário contratar um advogado, também especialista nessas causas.
Planos de saúde que reduzem as sessões de fonoaudiologia e terapia ocupacional em apenas 30 minutos por paciente. Profissionais sem salas adaptadas para trabalhar questões sensoriais importantes que a grande maioria dos autistas possui. Escolas falsamente inclusivas, ou veladamente excludentes, que também precisam de um processo judicial para que se cumpra a lei. Ou seja, um total e completo desrespeito com as famílias e com os pacientes. São tantos gastos extras para pouca entrada financeira. Tantos desgastes que poderiam ser evitados em meio às incertezas. A balança fica desproporcional.
Tomara que, daqui pra frente, surjam empresas visionárias que incluam em suas cotas de contratações as mães atípicas. Trabalhos flexíveis, com chefes humanizados. Somos mulheres capazes, competentes, comprometidas, que precisamos e queremos trabalhar. Tomara que, daqui pra frente, a honestidade e a integridade sejam normais (hoje é tão raro que vira notícia em horário nobre) e que não tenhamos que provar tão burocrática e desesperadamente que estamos falando a verdade, nossos filhos realmente precisam de tratamento, intervenções e adaptações. Tomara que, de alguma forma, meu filho cresça num mundo melhor do que o mundo em que ele nasceu.

 

Michele Carvalho, mãe do Enzo

 

*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.