Como usar o objeto de interesse da criança para ensinar?
Todos nós gostamos de conversar sobre assuntos que nos interessam, assuntos que dominamos, que nos trazem, de alguma forma, satisfação pessoal. É prazeroso saber um pouco mais sobre nossos objetos de interesse.
As crianças com diagnóstico de autismo costumam ter objetos de interesse bem específicos e muitas vezes optam por brincar sempre com os mesmos brinquedos, ou assistem sempre aos mesmos desenhos e filmes. Durante muito tempo esse comportamento era visto apenas como preocupante, mas hoje sabemos que pode ser um grande aliado, já que podemos usar isso a favor do ensinamento.
É um processo primeiramente de observação e posteriormente de entendimento de utilizar a oportunidade para ensinar com objeto de interesse deles.
A primeira vez que meu filho me convidou para brincar com ele foi ao décimo quinto dia de tentativa.
Eu sabia que ele tinha interesse em dinossauros e todos os dias ele brincava com o dinossauro amarelo. Um dia peguei o dinossauro verde e sentei ao lado dele e a reação foi péssima. Ele jogou o dinossauro longe e foi para outro cômodo, nitidamente ele não estava preparado para aquele tipo de interação.
No dia seguinte, uma nova tentativa frustrada. Depois de alguns dias tentando, ele já brincava com o dinossauro amarelo sentado perto de mim, mas de costas, como se aceitasse a minha presença ali mas claramente não queria ser “incomodado”.
No décimo quinto dia de tentativa, resolvi fazer diferente e apenas me assentei ao lado dele sem pegar o dinossauro, ele olhou para mim, olhou para o dinossauro no chão, olhou de novo para mim e mais uma vez para o dinossauro, pegou os dois dinossauros nas mãos e me entregou o verde, sentou de frente para mim e assim brincamos em silêncio durante algum tempo e dessa forma, em outro dia eu pude dizer, como se fosse o dinossauro, o quanto eu estava feliz em brincarmos juntos.
Enzo é muito musical e usamos muitas músicas para ensiná-lo, principalmente nas atividades cotidianas, como lavar as mãos, usar o banheiro, tomar banho. Funciona na grande maioria das vezes, mas é preciso paciência e persistência.
Da mesma forma nas terapias, que deveriam ser desenvolvidas especificamente para cada paciente, quando é utilizado o objeto de interesse da criança a reposta positiva é muito mais rápida e se torna mais consistente.
O que os filmes da Disney tem a ver com o objeto de interesse da criança para ensinar?
Ron Suskind, pai do Owen que também tem diagnóstico de autismo, escreveu um livro que virou documentário: Life Animated, relatando como ele usou o interesse do filho (então com 6 anos de idade), pelos filmes da Disney, para terem pela primeira vez um diálogo.
Relatou também como a casa dele virou uma “extensão” da Disney para que a família conseguisse interagir com Owen, e como esse objeto de interesse ajudou no aprendizado e desenvolvimento dele, além de ajudá-lo a se expressar de forma mais funcional com todos ao seu redor, usando os personagens dos filmes inclusive para descrever como se sentia em relação a ser diferente.
Eu costumo chamar esses objetos de interesse de “janelas de abertura”, é sem duvida uma pequena abertura de oportunidade que meu filho me dá para entrar no seu mundo tão complexo, mostrá-lo um pouco do meu mundo e o dizê-lo quanto é maravilhoso tê-lo na minha vida.
“Há uma razão para cada autista adotar um interesse específico. Descubra essa razão e o encontrará escondido lá dentro, e talvez tenha um vislumbre de seus talentos adjacentes” – Ron Suskind.
Michelle Carvalho – mãe do Enzo
*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.