Um quase diário de bordo (Parte III)
Agora seria o dia decisivo! Meu último dia desplugado da internet e da ansiedade de David Sue! Teria que aproveitar ao máximo.
Comecei o dia procurando notícias ridículas na famigerada revista Caras. Tinha uns quatro exemplares, e meu irmão (parceiro nessa caçada) achou a maior tosqueira de todas: uma “reportagem” destacando uma modelo famosa levando sua filha para a escola. Isso por si só já faz um fato chato, porém o que faz disso uma matéria acima da média é o destaque que dão ao abdômen da mulher! Dizendo o quão provocante e definido era aquilo. Estreitamos os olhos, e não tinha porcaria nenhuma (não dava para ver nem mesmo o umbigo). Cerca de 1 hora depois, meu tio chegou. Falei um breve “oi, tio, tudo certo?”
Passaram-se uns minutos, e eu estava gravando umas ideias para uma futura música do Mr. Sue. Meu pai falou de ir buscar os camarões naquelas arapucas que colocamos no dia anterior. Num primeiro momento recusei, mas lembrei que se tratava do último dia! Bom, não custa nada, né?
Troquei de roupa, passei protetor solar, chapeuzinho de pescador… Vamos? Let’s go!
O único dos homens que não foi nessa caçada foi meu vô. Meu tio no volante, meu pai no passageiro e os membros mais novos em cima do barco.
Achei que não teria nada demais… De novo cometi um engano: logo que o barco estava posicionado, por algum motivo (esse vocabulário de embarcações é russo para mim) ele pendeu para o lado, e eu caí na água. Me apoiei com a palma da mão, sendo surpreendido pela rigidez daquelas pedras. Meu tio ficou bem preocupado (já que era ele que estava conduzindo). Entretanto, achei ótimo sair do script. Quanto mais assunto para minhas crônicas, melhor!
Enquanto nos dirigíamos aos pontos, meu irmão perguntou ao meu tio se a sucuri era venenosa. A resposta foi negativa, mas, caso ela conseguisse enrolar no braço de um ser humano, conseguiria quebrar fácil, fácil! Que bom que meu vô pescou uma piramboia…
Voltamos para a casa, e logo já era hora do almoço. Foi um pequeno churrasco: umas linguiças, frango, pancetta e pão francês. Passou um tempo, e já estavam falando de pescar. No começo resisti um pouco a ideia, inclusive – quando estava me preparando para um cochilo – falei para o meu pai que iria dependendo da taxa de sucesso do meu processo de hibernação.
Podemos dizer que alcancei meu objetivo. Fomos pescar! Dessa vez, com a ilustre presença de meu avô, descemos em direção à “prainha” (lugar em que começava o rio) no mesmo esquema de antes: os três adultos no carro e os dois jovens na embarcação. Não teve queda dessa vez, já que eu fui aprovado no “teste de reflexo ninja”.
Foi mais divertido do que produtivo! Os “cabeça” do grupo (no caso, meu avô e meu tio) bolaram um esquema para posicionar os passageiros da melhor forma: os mais pesados no meio (eu e meu tio – sacanagem! Só porque emagreci!), os mais leves na frente (meu irmão e meu pai – esse padrão não tem lógica nenhuma!) e meu vô atrás pilotando o barco. A farra começou quando veio um monte de água nos pobres coitados do meio (meu tio ficou encharcado – brinquei que estávamos num fogo cruzado). Durante o processo, meu irmão começou a jogar água no meu pai – achei divertido! Não hesitei em fazer isso com aquele mala de 13 anos. Aí, em poucos segundos, todos estavam jogando água uns nos outros. Que bagunça! Voltei a ser criança nesse breve momento.
Como disse, a produtividade foi o oposto dessa cena. NADA! Fomos em uns quatro lugares diferentes e nada de peixinho dando as caras. O tempo passou voando, e os pernilongos chegaram para espantar pescadores que, mesmo sem peixe, souberam aproveitar a natureza e a convivência.
Quando cheguei, dei outra mentirinha de pescador – que meu pai, o cara que dorme mais cedo do que as crianças de hoje em dia, iria ficar pescando com os outros dois adultos até o dia seguinte!
Agora que tudo isso acabou, restaram preciosas lembranças que irei guardar durante toda a minha vida. Essa viagem de apenas três dias foi algo infinitamente mais divertido do que um garoto da cidade, que iria ficar sem internet – poderia imaginar? Uma alegria que não tem preço…
Matheus Cuelbas tem 20 anos e considera tanto a escrita quanto a música o combustível de sua vida. Aos 14 recebeu o diagnóstico de Síndrome de Asperger. Como colunista do blog, pretende compartilhar as dificuldades e os impactos que o diagnóstico e as terapias tiveram em sua vida tão como as descobertas ao longo de um tortuoso caminho.
*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.