ERA UMA VEZ… A MORTE
A morte é como o final de um filme, um final de um livro: quanto mais você gosta da história, quanto mais você se emociona com alguns personagens, maior é aquele gosto amargo – um dia tudo isso vai acabar. E aí? O que vai ser? Viver e morrer são como a luz e a escuridão: uma não vive sem a outra. Enquanto a vida brinca com sua multidão de amigos, sua irmã antissocial espera a festa acabar para fechar a porta.
Lembro da primeira vez que vi alguma coisa morrer – eu devia ter uns 7 anos. Na época morava numa casa linda, com um quintal de dar água na boca de qualquer criança aventureira ou do Seu Zé que é jardineiro. Estava andando por aquelas gramas verdes e levei um susto – um pássaro sendo devorado por formigas. Meu primo Eric estava lá nesse dia (temos 3 anos de diferença). “Vamos fazer um enterro para ele” disse o mais velho. Mal conseguia me mexer – o silêncio às vezes é uma forma de aceitar alguma coisa. Então meu primo enterrou o pássaro que teve sua liberdade castrada para toda a eternidade – meus olhos fugiam daquele cadáver, pois assim, como o pássaro, eu adorava ser livre.
Com o tempo fiquei mais sensível às minhas quedas. Sabe como é, né? Há momentos em que as feridas não cicatrizam mais com um simples “vai dar tudo certo” ou “vai passar”. Eu me odiava, olhava no espelho e sentia vergonha daquilo que estava me tornando. Eu nunca quis estar sozinho sem amigos para conversar; eu nunca odiei aqueles que estudavam comigo; eu só tinha medo de andar com as próprias pernas – ter que usar aqueles gravetos brancos e abrir a boca para conversar… Todos falavam uma língua desconhecida, e eu não era bom de improviso. Com o tempo fiquei cansado, então criei desculpas para tirar a culpa dos meus ombros: não sou eu! São eles! Eles estão errados! Tenho que estudar bastante para não pisar nesse campo minado dessa tal de socialização.
Logo, me apaixonei pela morte. Era um amor confuso, eu abria meus braços, mas, no último instante, como num tom provocativo, eu desviava de seus lábios mórbidos. Quanto mais sensível você é, menos escolhas aparecem diante de seus olhos – na verdade, chega um momento em que só existem duas opções: viver ou se matar. Uma pessoa sensível embebida no bom e velho drama transforma uma gotinha de água num oceano; porém, de vez em quando, é inteligente demais e vê o mundo sem maquiagem… Se o mundo fosse bonito como dizem por aí, não precisaria dela.
Descobri que minha paixão pela dama de preto não passou de uma euforia poética. No final da adolescência, ela não aceitou nosso rompimento, então resolveu se vingar. Quando tinha 16 anos, meu pai quase morreu. Nessa época ainda brigava muito com ele, pois não gostava de ele ficar bebendo – eu tinha uma mente conservadora em relação a quase tudo que as pessoas fazem: palavrão; bebida; cigarro; relações sexuais (queria que todos eles queimassem no fogo do inferno). Por sorte, ele sobreviveu, ficou diabético, mas está vivo. Assim como eu, dona morte odeia perder.
No ano passado perdi Tina, minha cachorrinha. Dessa vez, a morte (que odeia levar um pé na bunda e/ou perder num jogo) ganhou. Hoje, depois de 21 anos nessa estrada da vida, pude perceber que a morte (a irmã feiosa) sempre vai esperar a vida (a irmã bonita e festeira) ir embora de sua farra colorida para assim fechar a porta com os desmaiados lá dentro. Se quer um conselho, caro leitor: aproveite cada detalhe dessa festa, não existe nada melhor do que dar adeus com um sorriso no rosto.
Matheus Cuelbas
*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.