Não vou te olhar nos olhos
Estabelecer contato visual é um comportamento valorizado não somente na nossa cultura, mas em inúmeras outras. Quando pesquisamos estudos sobre “eye contact”, aparece uma quantidade imensa de artigos que investigam estratégias de como aumentar o olhar nos olhos ou de entender o porquê dessa característica nas pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Com certeza você já ouviu ou até mesmo falou frases do tipo “não confio em quem não olha nos olhos”; “em uma entrevista de emprego, mantenha o contato visual para mostrar que você está certo do que está falando”; “quem desvia o olhar é porque está inseguro” ou até mesmo se sentiu desconfortável por achar que um amigo não estava te escutando por simplesmente não estar te olhando nos olhos enquanto falava.
Além de toda a importância cultural, o olhar para o outro é um comportamento evolutivo, sendo ele básico para a aprendizagem e a sobrevivência. Ao olhar para uma pessoa, podemos imitar o que ela está fazendo; olhando para a boca dela, conseguimos imitar sons (repertório vocal), adquirindo assim novas habilidades. Quando olhamos para o rosto do outro, podemos aprender a discriminar suas emoções e seus sentimentos e a identificar como ele está reagindo ao nosso próprio comportamento. Se está sorrindo, podemos continuar contando aquela história. Da mesma forma, se detectamos uma expressão de bravo, podemos ativar um sinal de perigo e sair da situação ou até mesmo pedir ajuda.
No entanto, para o indivíduo com TEA, o estabelecer contato visual é um comportamento que dificilmente aparece com consistência. É muito comum nos depararmos com crianças que se esquivam de olhar para os rostos dos familiares e dos colegas, que falam olhando para baixo e, até mesmo após treinos e o desenvolvimento do repertório, apresentam dificuldades e continuam conversando ou respondendo a demandas específicas sem olharem nos olhos. Diversos relatos de autistas descrevem o desconforto contínuo do contato visual. Se sentem incomodados, intimidados e até mesmo perdem a concentração sobre o que estão falando ou ouvindo ao fixarem a visão nos olhos de alguém.
Dito isso, temos ciência sobre a importância evolutiva do contato visual para o convívio social e a sobrevivência, mas, por outro lado, sabemos que pode ser um sofrimento para os indivíduos com autismo. Como podemos então auxiliar no desenvolvimento desse repertório tão necessário, respeitando as diferenças e garantindo uma inserção social de qualidade?
O brincar com o seu filho ou cliente é uma ótima estratégia! Estimulá-lo a olhar para você, incentivá-lo a prestar atenção nos sons que você está fazendo com a boca e se posicionar em frente da criança e fazer cócegas, por exemplo (se for reforçador para ela), são recursos que tornam a relação mais próxima e reforçadora, deixando as buscas por atenção e o olhar algo mais prazeroso e movido por motivação. Ao mesmo tempo, auxiliamos no desenvolvimento de uma habilidade muito importante para a aprendizagem de novos comportamentos.
Por fim, cabe a nós também refletirmos e avaliarmos sobre qual é a relevância de ensinar o contato visual. Será que estamos apenas seguindo uma convenção social em detrimento ao conforto do cliente?
Como conclusão, ressaltamos que é extremamente importante respeitar o limite dos nossos clientes, considerando tudo o que é importante para lhes ensinar de forma respeitosa, humanizada e consistente, tornando-os assim não só indivíduos que olham nos olhos, mas também que se sentem confortáveis e querem estar ali, atentos a você!
Raissa Viviani, Supervisora ABA do Grupo Conduzir
*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.