O silêncio pode cantar

O silêncio pode cantar

  • Grupo Conduzir admin
  • 8 de outubro de 2021
  • Blog

Tenho 21 anos agora. É assustador ver o tempo passar como um foguete… Muitas pessoas cruzaram meu caminho, mas o tempo me fez o favor de soprar essas folhas. Ódio, amor, inveja, desilusão, tristeza, morte… São tantos sentimentos que não cabem no mundo. Tantas coisas se perdem, tantas outras se deixam perder… Somos assim também, o ser humano é uma folha num oceano sem cor, sem intensidade, sem curso definido. 

O medo de tentar talvez seja o fantasma que mais me assombrou. Toda vez que lembro daquele sujeito covarde, magro feito um cadáver e arrogante feito um rei, tenho ódio. Nunca me enquadrei em nenhum grupo, todas as tribos eram chatas… Não sabia como interagir com os outros ao meu redor… Era um castigo. A cada passo que dava em direção a um aluno para conversar, tentar uma amizade, eu era chicoteado pela máscara que criei: um eremita que odiava os jovens, criticava a sociedade e estudava como um condenado. “As relações sociais vão atrapalhar minha vida… Eles são um bando de alienados! São inferiores a animais de zoológico” era o que dizia o eremita. Devo ter uma conversa séria com o senhor, intelectual de araque:

É isso mesmo o que você quer? Mesmo sem falar nada, suas lágrimas respondem por si. É fácil apontar o dedo para os outros, apontar com seu dedo podre – desculpas para não entrar no campo de batalha… Você sabe muito bem o quanto gosta daquela menina, então por que renegar esse sentimento? Dizem que você tem autismo… É impressionante ouvir que você manipulou os exames médicos para poder ser o cara diferente! Porém, é visível o quanto odiou a porcaria desse diagnóstico! A televisão mostrava autistas como retardados! Você não pode aceitar isso, não é, grande gênio? Aliás, o senhor vai ser bem mais importante que Jesus e Gandhi juntos!

O orgulho é a maldição dos inseguros. Quem acredita demais no que as pessoas falam são pobres vítimas. “Como você é inteligente, Matheus!” “Uau, como você desenha bem!” “Que criatividade esse menino tem!” “Estou chocada! Nunca vi um menino de 14 anos escrever tão bem!” “Classe, usem o texto do Matheus como exemplo!” Ao ouvir isso, primeiro vinha a autodepreciação, mas depois era a hora de jogarem confetes! O rei na barriga cresceu a cada novo elogio. Com seis anos, dizia: “um verdadeiro artista, não precisa de escola de desenho! Quem copia é scanner e não desenhista!” Ah! Um purista da arte! Não se engane, você dizia isso para melhorar a autoestima, esquecer a insegurança esmagadora que guarda dentro de si!

Eu sei também o quanto o senhor, jovem Matheus de 14 anos, tem medo da morte. Ah, a morte! É tão romântica essa ideia de morrer pela pessoa amada e ver que no seu funeral ela chora rios de lágrimas, pois ela se importava com o defunto. Certo! Tome essa faca e corte a garganta! Ficou com medo? Nunca vi um suicida com medo de se matar…

Eu te odeio, se eu pudesse voltar no tempo te mataria! Várias facadas para que sofra, para que pare de contaminar o mundo com sua existência! Ao menos o tempo foi generoso, não é, Matheus? Fico impressionado que você tenha aberto o coração. No fim de 2014, planejava cuidadosamente uma carta para finalmente se declarar para sua primeira grande paixão; deixou o orgulho de lado e começou a fazer terapia; quebrou o silêncio desabafando temas cabeludos com sua mãe… Mesmo odiando tudo o que você fez com minha adolescência, reconheço que, se tivesse feito diferente, poderia ter sido pior… Aliás, a dor nos faz mais fortes, mais espertos para trilhar as linhas traiçoeiras da vida.   

 

Matheus Cuelbas

 

 

*O Grupo Conduzir declara que os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos publicados refletem a opinião dos autores.